É um ser em estado de torcida do Flamengo. Torce mais por ele (o amado) que pela Seleção. Entra no campo, agride o juiz, salta o alambrado, topa qualquer desafio. Só vê a vitória.
• Vai pro exílio, larga carreira, profissão, conveniência, partido político. Só tem um caminho e uma verdade: o amor. O resto virá depois. Sem ele, o tudo é nada.
• É o mais paciente dos seres impacientes. Sempre em estado de “estou pronta”, leva anos esperando com uma insuportável e maravilhosa impaciência, exigência, dedicação, entrega, cegueira, vontade de quintais, praias e amarrações que supõe perfeitas e definitivas. Ninguém vive a provisoriedade com tanto sentido de permanência. Ninguém assina em branco e antecipa tantos avais de afeto. Ninguém erra com tanta convicção e decência.
• É fera e santa; guerreira e gato; desastrada e genial, capaz de usar fitas, meias coloridas; de enfrentar solidões, distâncias, presenças e furacões pelo ser amado.
• É o mais regular dos seres irregulares porque não julga, não pensa, não avalia: sente. E que se danem o mundo, as regras, as regulações, disposições, legislações e tudo aquilo que a mãe ensinou! Que o mundo exploda em flores!
• Ser de grandezas, só vive de migalhas.
• Entende de lençóis iluminados pela luz do corredor nas noites sem sono; conhece ruídos diferentes de tique-taques e entende de cantores e poetas (escolhidos secretamente).
• Interpreta as mensagens mais sutis do amado: tom de voz; espaço entre uma e outra frase; fomes dominicais; impressões vagas de cansaço, tédio, alegria ou saudade expressas por fungados, suspiros, desabafos, interjeições, gestos, sons, olhares.
• Mistura disposição com vontade. Possibilidade com ânsia. Dificuldade com não querer. Em suma: é o mais incapaz dos capazes do que há de melhor, mais lindo, legítimo e verdadeiro.
• Especialista em pretextos; modista de oportunidades; navegantes de esperanças; tecelã de ternuras; doceira de amarguras.
É furacão e chuvisco; exaltação e placidez; adivinhação e alienação; sábia e patusca; maravilha e susto; mãe e mulher; filha e bruxa; santa e desastrada.
• O único ser que topa qualquer parada não é o herói, o desesperado ou o valente: é a mulher apaixonada.
Artur da Távola
Todo casamento que "acaba" já se acabara muito antes. O amor é um sentimento tão forte que, até para admitir o seu término, precisa de tempo. Quando algo estoura ou vem à tona é porque de há muito borbulhava, subterrâneo. Aceitar que o amor acabou é tão difícil como admitir a sua existência!
Fico a pensar nos quilômetros de discussões com as quais milhares de casais disfarçam o amor que começa a terminar, ou já morreu e começa a tresandar. Penso na dor sorrateira e covarde do amor que começa a acabar. Penso no sentimento de perda que se instala até nas relações que se tornam frias e distantes. Sofro por pessoas que estão trilhando o doloroso caminho da descoberta dos impasses com o ser amado; as que estão descobrindo defeitos, desencontros, impossibilidades de encaixes e de suplementação nas relações. Penso nos que estão tentando gostar, já não mais conseguindo. Compadeço-me dos que colocam flores e esparadrapo na própria decepção ou no cansaço de suas relações rotinizadas, robotizadas, endurecidas, cristalizadas, congeladas.
A dor do amor que não se realizou gera doloroso sentimento de perda. A perda prescinde do amor. Até onde este não mais existe, ela dói e machuca. O sentimento de perda transcende o amor. Talvez seja até maior, como sentimento, que o amor, pois o sentimento de perda perdura, a despeito de haver acabado.
Sente-se a perda da pessoa a quem se amou e sente-se a perda do amor. O que dói no amor que termina não é o fato de ter acabado. Nesse sentido é até alívio. Dói o fracasso do que poderia ter sido; os cacos do que, mal ou bem, foi construído em comum; é a contemplação da morte através da verificação da existência de uma pessoa em nós e no outro que já não existe, que mudou, transformou-se e cresceu ou apodreceu e piorou.
A gradativa aceitação da inexistência do amor é ferrugem existencial difícil de ser aceita. Por isso o amor passado é dotado de muitas caras e, para se proteger dessa ferrugem, admite crescer em outras direções, igualmente prazenteiras: a da amizade, do carinho, da compreensão. Talvez.
Artur da Távola
Ser jovem é amar a vida,
cantar a vida,
abraçar a vida,
perdoando até as pedras
que a vida nos joga em rosto.
Ser jovem é ter altos e baixos,
entusiasmos e desalentos.
É vibrar com os momentos bons
e passar por cima do que nos machuca,
com um sorriso fácil apagando os percalços.
Ser jovem é apiedar-se dos mais fracos,
não ter vergonha de fazer um sinal da cruz em público,
cantarolar uma canção em pleno ônibus.
E apreciar uma piada gostosa.
Ser jovem é escrever diário, às vezes.
Copiar poesias de amor e remetê-las ao namorado,
à namorada, com assinatura própria.
Ser jovem é compadecer-se de quem sofre,
com aquela vontade imensa de fazer o milagre da cura,
de restituir a saúde àqueles que a gente estima e ama.
Ser jovem é beber um lindo pôr-do- sol,
ar livre e noites estreladas.
Não se intrometer na vida alheia,
fazer silêncios impossíveis,
ficar ao lado das crianças,
gostar de leitura,
ter ódio de guerra
e de ser manipulado.
Ser jovem é Ter olhos molhados de esperança
e adormecer com problemas,
na certeza de que a solução
madrugará no dia seguinte.
Ser jovem é amar a simplicidade, o vento,
o perfume das flores, o canto dos pássaros.
Ter alegria ao dramático, ao solene.
E duvidar das palavras.
Ser jovem é vibrar um gol do time,
jogar na loteria esportiva,
emocionar-se com filmes de ternura
e simpatizar secretamente com alguém
que a gente viu só de passagem.
Ser jovem é planejar praias no fim do ano,
sonhar com um giro pela Europa
e uma esticada pela Disneylândia... algum dia.
Ser jovem é sentir-se
um pouco embaraçado diante de estranhos,
não perder o hábito de encabular,
tremer diante de um exame
e detestar gente gritona
e resmunguenta.
Ser jovem é continuar gostando de deitar na grama,
caminhar na chuva, iniciar cursos de inglês e violão,
sem jamais terminá-los.
Ser jovem é não dar bola ao que dizem e pensam da gente.
Mas irritar-se,
quando distorcem nossas melhores intençõe
Ser jovem é aquele desejo de fazer parar o relógio,
quando o encontro é feliz,
quando a companhia é agradável
e a ventura toma conta do nosso ser.
Ser jovem é caminhar firme no chão,
à luz dalguma estrela distante.
Ser jovem é avançar de encontro à morte,
sem medo da sepultura e do que vem depois.
Ser jovem é permanecer descobrindo, amando, servindo,
sem nunca fazer distinção de pessoas.
Ser jovem é olhar a vida de frente, bem nos olhos,
saudando cada novo dia, como presente de Deus.
Ser jovem é realimentar o entusiasmo, o sorriso,
a esperança, a alegria, a cada amanhecer...
Ser jovem é acreditar um pouco na imortalidade, em vida.
É querer a festa, o jogo, a brincadeira, a lua, o impossível.
Ser jovem é ser bêbado de infinitos que terminam logo ali.
É só pensar na morte, de vez em quando.
É não saber nada e poder tudo.
Ser jovem é gostar de dormir e crer na mudança.
É meter o dedo no bolo e lamber o glacê.
É cantar fora do tom, mastigando depressa,
mas engolir devagar a fala do avô.
Ser jovem é embrulhar as fossas no celofane do não faz mal.
É crer no que não vale a pena ,
mas ai da vida se não fosse assim.
Ser jovem é misturar tudo isso com a idade que se tenha,
trinta, quarenta, cinqüenta, sessenta, setenta ou dezenove.
É sempre abrir a porta com emoção.
É abraçar esquinas, mundos, luzes, flores, livros,
discos, cachorros e a menininha, com um profundo,
aberto e incomensurável abraço feito de festa,
dentes brancos e tímidos, todos prontos
para os desencontros da vida.
Com uma profunda e permanente vontade de ser.
Artur da Távola
Insensatez
Vinicius de Moraes / Antonio Carlos Jobim
Ah, insensatez que você fez
Coração mais sem cuidado
Fez chorar de dor o seu amor
Um amor tão delicado
Ah, por que você foi fraco assim
Assim tão desalmado
Ah, meu coração, quem nunca amou
Não merece ser amado
Vai, meu coração, ouve a razão
Usa só sinceridade
Quem semeia vento, diz a razão
Colhe sempre tempestade
Vai, meu coração, pede perdão
Perdão apaixonado
Vai, porque quem não pede perdão
Não é nunca perdoado
Se todos fossem iguais a você
Vinicius de Moraes / Antonio Carlos Jobim
Vai tua vida
Teu caminho é de paz e amor
A tua vida
É uma linda canção de amor
Abre teus braços e canta a última esperança
A esperança divina de amar em paz
Se todos fossem iguais a você
Que maravilha viver
Uma canção pelo ar
Uma mulher a cantar
Uma cidade a cantar
A sorrir, a cantar, a pedir
A beleza de amar
Como o sol, como a flor, como a luz
Amar sem mentir, nem sofrer
Existiria a verdade
Verdade que ninguém vê
Se todos fossem no mundo iguais a você