Amigo” - por Artur da Távola
Amigo” - por Artur da Távola
Amigo é quem, conhecido ou não, vivo ou morto, nos faz pensar, agir ou nos comportarmos no melhor de nós mesmos. É quem potencializa esse material. Não digo que laboremos sempre no pior de nós mesmos (algumas pessoas, sim), mas nem sempre podemos ser integrais para operar no melhor de nós. Há que contar com algum elemento propiciador, uma afinidade, empatia, amor, um pouco de tudo isso. E, sempre que agimos no melhor de nós mesmos, melhoramos, é a mais terapêutica das atitudes, a mais catártica e a mais recompensadora. Esta é a verdadeira amizade, a que transcende os encontros, os conhecimentos, o passado em comum, aventuras da juventude vividas junto. Um escritor ou compositor morto há mais de cem anos pode ser o seu maior amigo.
Esse conceito de amizade transcende aquele outro mais comum: o de que amigo é alguém com quem temos afinidade, alguma forma de amor não-sexual, alguém com quem podemos contar no infortúnio, na tristeza, pobreza, doença ou desconsolo. Claro que isso é também amizade, mas o sentido profundo desse sentimento desafiador chamado amizade é proveniente de pessoas, conhecidas ou não, distantes ou próximas, que nos levam ao melhor de nós. E o que é o melhor de nós? É algo que todos temos, em estado latente ou patente, desenvolvido ou atrofiado. Mas temos. E certas pessoas conseguem o milagre de potencializar esse melhor. Sentimos-nos, então, fundamente gratos e, de certa maneira, orgulhosos (no bom sentido da palavra) por podermos exercitar o que temos de melhor. Este melhor de nós contém sentimentos, palavras, talentos guardados, bondades exercidas, ou não.
Amar, ao contrário do que se pensa, não perturba a visão que se tem do outro. Ao contrário, aguça-a, aprofunda-a, aprimora-a. Faz-nos ver melhor. Também assim é a amizade, forma especial de amor, capaz de ampliar a lucidez e os modos generosos e compreensivos de ver, sentir, perceber o outro e, sobretudo -se possível- potencializar os seus melhores ângulos e sentimentos.
Somos todos seres carentes de sermos vistos e considerados pelo melhor de nós. A trivialidade, a superficialidade, as disputas inconscientes, a inveja, a onipotência, a doença da auto-referência faz a maioria das pessoas transformar-se em vítimas do próprio olhar restritivo. E o olhar restritivo é sempre fruto da projeção que fazem (fazemos) nos demais, de problemas e partes que são nossas e não queremos ver. E quantas vezes isso acontece entre pessoas que se dizem amigas. Essas pessoas (que se dizem amigas) ignoram certas descobertas do velho Dr. Freud e, através de chistes, passam o tempo a gozar o “amigo”, alardeando intimidade (onde às vezes há inveja) como prova de amizade. O que não é. Mesmo quando é… Caso se queira medir o tamanho de uma amizade, meça-se a capacidade de perceber, sentir e potencializar o melhor do outro, porque somente essa atitude fará dele uma pessoa cada vez melhor e, por isso, merecedora da amizade que lhe é dedicada.”
Artur da Távola