A dor do Amor que se acaba....
Todo casamento que "acaba" já se acabara muito antes. O amor é um sentimento tão forte que, até para admitir o seu término, precisa de tempo. Quando algo estoura ou vem à tona é porque de há muito borbulhava, subterrâneo. Aceitar que o amor acabou é tão difícil como admitir a sua existência!
Fico a pensar nos quilômetros de discussões com as quais milhares de casais disfarçam o amor que começa a terminar, ou já morreu e começa a tresandar. Penso na dor sorrateira e covarde do amor que começa a acabar. Penso no sentimento de perda que se instala até nas relações que se tornam frias e distantes. Sofro por pessoas que estão trilhando o doloroso caminho da descoberta dos impasses com o ser amado; as que estão descobrindo defeitos, desencontros, impossibilidades de encaixes e de suplementação nas relações. Penso nos que estão tentando gostar, já não mais conseguindo. Compadeço-me dos que colocam flores e esparadrapo na própria decepção ou no cansaço de suas relações rotinizadas, robotizadas, endurecidas, cristalizadas, congeladas. A dor do amor que não se realizou gera doloroso sentimento de perda. A perda prescinde do amor. Até onde este não mais existe, ela dói e machuca. O sentimento de perda transcende o amor. Talvez seja até maior, como sentimento, que o amor, pois o sentimento de perda perdura, a despeito de haver acabado.
Sente-se a perda da pessoa a quem se amou e sente-se a perda do amor. O que dói no amor que termina não é o fato de ter acabado. Nesse sentido é até alívio. Dói o fracasso do que poderia ter sido; os cacos do que, mal ou bem, foi construído em comum; é a contemplação da morte através da verificação da existência de uma pessoa em nós e no outro que já não existe, que mudou, transformou-se e cresceu ou apodreceu e piorou.
A gradativa aceitação da inexistência do amor é ferrugem existencial difícil de ser aceita. Por isso o amor passado é dotado de muitas caras e, para se proteger dessa ferrugem, admite crescer em outras direções, igualmente prazenteiras: a da amizade, do carinho, da compreensão. Talvez.
Artur da Távola