Na verdade, acho que todo dia é meu aniversário. o abrir dos olhos é o renascer; cada vez que a Terra se arrodeia, cada desaniversário, cada um dos 364, deveria ser comemorado e reconhecido e agradecido e desejado e presenteado e especialmente conduzido como aquele com data certa. é verdade, cada dia com a chance de vivê-lo, de completá-lo como ciclo único e como parte de um todo, por si só já é dádiva.
mas é amanhã o meu aniversário. e para ele nunca estou preparada. nunca sei o que fazer direito quando chego num lugar em que a notícia é sabida, parece que tenho oito braços ou um eterno sorriso de miss impresso no rosto, uma comoção permanente por me saberem, um olhar de bobeira. sou tímida, muito, irremediavelmente, tímida.
tem uma coisa que eu gosto pra valer, gosto como se estivesse estacionada em meus oito anos: ganhar presente. significado glorioso, me sinto amada, lembrada, sinto que perturbei a ideia de quem está na minha frente com a missão de me agradar e é bom saber que alguém quer me agradar. não tenho pudores com isso. e nesse pacote cabe tudo: flores, um dia solitário na praia, bilhete de show, porta moedas, livro de sebo, carro novo, vestido, óculos de camelô, cartão escrito a mão, caricatura com narigão, sapato, pijama, meia, perfume, rádio, girafa, caixinha e tudo que couber na imaginação de quem vem.
há o problema de ver marcado como ano (não somente na fração de dia) que tenho um tempo a menos. é a contagem dos anos, das décadas que não me pertencem mais, que não viverei, que não serei, que já fui, que já fiz… menos tantos anos na minha folha.
há, entretanto, o olhar pra frente, o saber-me mais, reconhecer-me melhor, mais cheia de eus e de nós e de tus. uma espécie de segurança sobre mim mesma que só se afirma com o passar do tempo e o olhar que se apura a partir da experiência. a auto-permissão para viver algumas coisas. gosto disso.
mais um ano que não tenho casa própria e ainda desenho no box suado do banheiro, tomo banho de chuva e trabalho do melhor jeito que posso, tomo sorvete de manhã e dirijo com cautela, pinto cadernos e pago as contas. acumulo o ontem e o hoje.
tenho problemas, uns bem sérios, mas acho, sinceramente, que há muita sorte em meu caminhar, os motivos de riso chegam em número maior e com mais força.
amanhã é meu aniversário, comemoro hoje, ontem, antes de ontem, depois de amanhã.
comemoro sempre porque aqui estou, pronta e inacabada.